Arquivo | setembro, 2011

A Presença Mediada e o Seminar Pornosuspense

12 set

A Presença Mediada e o Seminar Pornosuspense[1]

Juarez Nunes[2] (ERRO Grupo)

Palavras-chave: Presença Mediada, Jogo, Arte Publica.

Resumo: O presente trabalho aponta algumas reflexões em torno da presença mediada a partir do trabalho Seminar Pornosuspense realizado pelo ERRO Grupo para a Semana Rumos Teatro do Itaú Cultural. A abordagem aqui utilizada não é via a oposição entre virtual e real e tão pouco através de uma imersão na cibercultura. Parte-se aqui do que seja o teatro em sua essência e a partir daí verificar as implicações da presença mediada e sua produção da imagem fílmica nesta arte que desde sua origem é vista como um acontecimento presencial ao vivo, em tempo real, entre fazedores e observadores.

A abordagem sobre a presença mediada se dá num contexto histórico onde a humanidade “passa por um verdadeiro choque do futuro resultante de avanços das ciências físicas, biológicas” (Santaella 2010). Como é do conhecimento comum vive-se um expansivo desenvolvimento da informática, das telecomunicações, da biotecnologia, da robótica, da nanotecnologia, da neurociência; desmanchando-se no ar qualquer certeza que se possa ter sobre as coisas, causando, ainda de acordo com Santaella, uma revolução nas identidades, gêneros e principalmente sobre a antropologia no que se diz respeito à distinção entre cultura e natureza.

Estando a arte assim como a vida imersa neste contexto, isto permite ao teatro contemporâneo que se contamine por esta realidade ao ponto de se afirmar que:

“… o teatro faz parte das mídias. Ele constitui mesmo uma mídia por excelência e seus componentes mais frequentes são eles também constituídos por diversas mídias” (Pavis, 2010: 173).

Pavis entende por mídia todo sistema de comunicação que permite a sociedade realizar toda uma parte das três funções essenciais da conservação da comunicação: a distancia de mensagens, conhecimentos e a ritualização de práticas culturais e políticas. No teatro, o estudioso francês, deixa claro que esse fenômeno se dá no espaço-tempo através da representação que passa necessariamente pelo corpo do ator, o próprio espaço-tempo e a recepção. Com isso, portanto não se deve estranhar o alinhamento do teatro a outras mídias, entre elas as que possibilitam a presença mediada.

Seja o teatro ou não a constituição de uma mídia como afirma o estudioso francês, e caso se faça a opção pelo seu alinhamento às mídias que possibilitem a imersão deste na presença mediada é preciso se perguntar se a mediação da presença não subtrai do teatro um pouco de seu caráter humano, afinal desde suas origens o que sempre o caracterizou foi o fato de irmos ao teatro para se presenciar a atuação de atores e atrizes ao vivo em tempo real. Sendo o teatro uma arte que se realiza na dualidade do fazer-olhar; manifestação que ocorre no momento em que alguém (ator) faz e alguém (espectador) assiste; pergunta-se: a presença mediada, por mídias eletrônicas, não amplia a exploração deste contato? O ERRO Grupo acredita que sim e por isso através de Seminar Pornosuspense explora as possibilidades praticas do fazer cênico advindo da investigação em torno da presença mediada partindo da pergunta:

Se como afirma Guenoun (2004) o teatro “não é uma atividade, mas duas; a atividade de fazer e a atividade de ver”, uma articulação dos atos de produzir e do ato de ver; em que a presença mediada por dispositivos eletrônicos pode contribuir para o desenvolvimento destas duas atividades?

É nesse contexto de grandes inovações e questionamentos que se desenvolveu a investigação que resultou em Seminar Pornosuspense  e o objetivo deste artigo não é apresentar respostas para uma questão tão densa, mas alimentar o debate com observações a partir do próprio Seminar Pornosuspense.

O ERRO, que apresentou na Semana Rumos Teatro no Instituto Itaú Cultural no dia 28/08/11 em São Paulo, o seminário performático Seminar Pornosuspense, é um grupo de teatro do sul do país (Florianópolis) que atua a partir do deslocamento e da invasão urbana, através de espetáculos teatrais de rua, performances e intervenções. É um coletivo inserido no universo da arte publica, entenda-se arte publica a partir de Jaques Ranciére (2010) que a define como aquela que se inscreve na paisagem da cidade e da vida em comum para sua fruição, distinta da arte que se vê em museus, teatros e espaços institucionalizados.

Buscando frestas neste contexto o ERRO através de Seminar Pornosuspense intervém no prédio do Instituto Itaú Cultural, visando causar estranhamento a partir de um tema que nos é muito caro que é a sexualidade a partir da pornografia colocada em suspense.

O fato é que a resultante das cartografias efetuadas em Florianópolis, Curitiba e São Paulo, encontros e desencontros culturais entre errantes e silenciosos apresentou, como um dos denominadores comuns, o sexo. Como se sabe a visão purista abriga algumas praticas sexuais mercantis no termo pornô, ou às vezes as escamoteia para o erótico o que tem levado à criação de inúmeras feiras como a Feira erótica de Macau e tantas outras que pululam pelo mundo.  O Seminar Pornosuspense que o ERRO levou a São Paulo caracteriza-se por lembrar que a arte não é política pela mensagem que transmite e tão pouco pela maneira como representa as estruturas sociais, os conflitos políticos ou as identidades sociais, étnicas ou sexuais. Como atesta Ranciére, a arte é política pela forma como configura um sensorium espaço-temporal, enquanto recorta um determinado espaço tempo.

No caso de Seminar Pornosuspense, sua configuração se dá pela multiplicidade de ações simultâneas em diversos espaços, condensadas pela presença mediada. Esta determinação condiciona sua movimentação, partituras e a corporeidade dos atores.

O que se pode afirmar sobre a presença cênica mediada em Seminar Pornosuspense?

Assim como na vida as mídias no teatro fundem os espaços ao compartilharem experiências através da simultaneidade alterando as formas de ser do sujeito. Ao aproximar as pessoas neste contexto de mudanças da forma do ser do sujeito, a presença mediada em Seminar Pornosuspense e no teatro de uma maneira em geral assim como na vida; permite a interação do que antes era impossível. Assim, no cotidiano, até o sexo se virtualiza, o que Seminar Pornosuspense ironiza. O fato é que o ERRO deseja aniquilar as dimensões espaciais possibilitando que por este meio o espectador possa apreender signos e interpretações e com isso possa a produzir significados.

Conceito amplamente difundido, a presença mediada, se configura no contexto das interações “não diretas” e por isso é problematizada no teatro, já que esta é uma linguagem artística que se desenvolve como já se mencionou acima, via presencial, ao vivo.

Esta arte ao vivo, o teatro, se efetiva através do jogo, que é estabelecido entre fazedores e receptores na cumplicidade de que algumas vezes se presencia e se vivencia a ilusão seja em sua forma naturalista ou não e em outras a tentativa da quebra desta ilusão seja na forma épica ou não. Sem querer fazer menção sobre o virtual em oposição ao real ou ao atual, aqui se atém ao fato de que a presença em Seminar Pornosuspense visa ser real, atual e virtual[3] dado que se apresenta enquanto potencia.  Em Seminar Pornosuspense as imagens mediadas que chegam ao receptor serão geradas no exato momento em que se presenciar o seu acontecimento, não serão imagens pré-gravadas, portanto serão ao vivo tanto quanto às imagens metafóricas produzidas pelos performers que atuarão no espaço onde se encontra o público.

Entenda-se como jogo, aqui, o conceito dado por Johan Huizinga (2002) que considera o jogo como uma evasão da vida cotidiana (real) para uma dimensão temporária de atividade com orientação própria, onde seus participantes integram um evento livremente criando uma limitação espacial e regras próprias para o seu desenvolvimento como é o caso do Seminar Pornosuspense que ocupa diversos espaços centralizando suas ações no prédio do Itaú Cultural, onde a presença é mediada por dispositivos eletrônicos tendo como regra para a participação a simples disponibilidade do permitir-se viver uma experiência, um acontecimento, uma performance ou uma intervenção que dura em torno de trinta e cinco minutos.

Em Seminar Pornosuspense o jogo que se estabelece através de dupla presença: a presença ao vivo em tempo real e a mediada que se entende aqui pode provocar uma espécie de identificação semelhante à que ocorre no cinema. Esta identificação[4] é um dos aspectos a se apontar na exploração da presença mediada no teatro. Consoante Guenoun, alguns autores denominam esta identificação como “dupla identificação cinematográfica” designando-as como: primária e secundária. A identificação cinematográfica primária é a que se estabelece pela investidura do olhar, fenômeno que se estabelece pelo ponto de vista do qual se realiza a filmagem, levando quem assiste a identificar o seu olhar com o da movimentação da câmera. Este efeito é produzido também na televisão e em toda representação onde a imagem fornecida é a fílmica. A identificação cinematográfica secundária é aquela que se manifesta através da identificação do receptor com as personagens representadas. No caso de Seminar Pornosuspense, a identificação primária a das personagens é problematizada através do estranhamento, da exploração do real onde as ações provocam constrangimentos, pois se dão na esfera dos tabus sexuais e no fato de que a própria personagem é posta em questão, já que os performers se apresentam como eles mesmos. Seminar Pornosuspense assim como outros trabalhos na dimensão do teatro que investigam a presença mediada produzem igualmente como o cinema essa dupla identificação, pois suas imagens são fílmicas.

O advento do cinema concretizando a existência das imagens[5] captou do teatro seu imaginário levando com ele seu efeito de identificação. No teatro se mostra a concretude material cênica: cenário, homens, pano, sons, colocados ao publico como “imagens” analogicamente, através de metáforas, pois dizer que um ator é uma imagem só se torna exato enquanto metáfora. Já as imagens fílmicas são efetivamente imagens; no cinema a constituição do imaginário não se dá apenas pelas imagens, na dimensão cinematográfica o imaginário é o campo da concreção da imaginação, onde a imaginação é a faculdade de apresentação ou de combinação de elementos, produtos dos sentidos e, portanto, uma combinação não realista de elementos reais. A exploração da presença mediada proporciona ao publico a imagem fílmica assim se efetua na recepção efeitos semelhantes ao do cinema.

Para Guenoun (2004), o cinema libertou o imaginário do espaço mental onde ele supostamente estava confinado para lhe dar o estatuto de ente objetivo. Ao que parece Seminar Pornosuspense e todo teatro que investiga a presença mediada como procedimento de trabalho reivindica de volta o imaginário que lhe fora confiscado ao final do século XIX quando surge o cinema.

O aparecimento do cinema proporcionou a condensação, a concreção na materialidade, à idealidade e à sensitividade do imaginário cuja conjunção fora até então privilégio da imaginação mental.

Ele (o cinema) apresenta o produto desta concreção sob a forma efetiva de imagens. Não mais imagens por metáforas como sãos as “imagens” mentais. Mas imagens concretas existentes sob o modo da exterioridade. O cinema é o tornar-se imagem do imaginário. Ele é a sua literalização, sua efetuação, sua realização. É por isto, provavelmente que o termo imaginário, como substantivo é seu contemporâneo. (Genoun, 2004: 109)

O fato é que a explosão de dispositivos eletrônicos de capitação e transmissão de imagens, no cotidiano das pessoas, retira não só do cinema, mas também da televisão este privilégio, descrito por Guenoun. Hoje é possível captar e emitir imagens em tempo real de um celular e observar como o cinema avança para deixar, em pouco tempo, obsoleto o cinema 3D e talvez materializar o cinema descrito em Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley[6], onde a presença mediada ultrapassa a visão e a audição se efetuando através de outros sentidos: olfato, tato e paladar.

Ao adentrar no solo da presença mediada através de Seminar Pornosuspense, o ERRO Grupo engrossa as fileiras daqueles que percebem que a busca de uma encenação que reatualize a arte e vida, devem passar necessariamente pela consideração do impacto que as mídias eletrônicas trazem para a vida humana. Contudo, o grupo já havia pesquisado esse contexto para a realização dos trabalhos Enfim um Líder (2007) e Escaparate (2008).

Através da dispersão espacial e simultaneidade Seminar Pornosuspense visa provocar no receptor a atividade motora, já que este tem como regra para sua integração no jogo a obrigatoriedade do deslocamento através do caminhar, contrariando o cinema e o teatro de sala italiana que reduzem a atividade motora do espectador através do ver e ouvir imobilizando-o numa cadeira, ao mesmo tempo em que recorta sua visão no palco e na tela; causando um superinvestimento do seu olhar em detrimento do acionamento de seus outros sentidos. Na ocupação do prédio do Instituto Itaú Cultural, Seminar Pornosuspense estimula no publico além do deslocamento do olhar e do corpo, mas da audição, do olfato e do tato através da interação que se desenvolve entre estes e os performers participantes ativando o jogo e suas consequências.

A presença mediada em Seminar Pornosuspense, como consequência do jogo estabelecido buscará tencionar o espetáculo ao vivo proporcionando uma concorrência, conforme Pavis (2004), entre a imagem fílmica e os corpos dos performers, onde o espectador não escolhe necessariamente o vivo contra o inanimado. Neste tipo de concorrência o olho é atraído por aquilo que é visível em maior escala e retém sua atenção em mudanças de planos, porém esta observação em Seminar Pornosuspense é relativizada dado que a concorrência entre imagem fílmica e o corpo ao vivo do ator se estabelece por algo que chama a atenção tanto quanto as escalas e mudanças de planos da imagem fílmica que são: o nu e as ações dos performers que se efetuam entre o bizarro, o absurdo e o pornográfico. Isso proporciona certa simetria, sem que as atenções se voltem exclusivamente para imagem fílmica.

A concorrência entre o ao vivo e a presença mediada em Seminar Pornosuspense problematiza o ao vivo onde a temporalidade da ação põe em cheque a proposição relativa à subtração, por meio da presença mediada, do caráter humano que a presença ao vivo confere ao teatro. Se as ações que são transmitidas, simultaneamente, do percurso pelas ruas desde um banheiro de um shopping até o próprio prédio do Instituto e do espaço onde performers atuam na presença do publico até o quarto de um hotel, ocorrem em tempo real, no exato instante que as ações ao vivo que o publico presencia, apesar de estar em espaços distintos, esta mediação das mídias não subtrai o caráter humano do acontecimento e sim o amplifica, pois na era da virtualidade a presença não mais se liga ao corpo. Pode-se falar ao telefone de Florianópolis com uma pessoa em Curitiba ou em Salvador estando presente, live, em uma presença que se realiza na ausência dado que ao falar de Florianópolis com alguém de Curitiba se esta efetivamente na capital catarinense e não na paranaense. Subtraiu-se da presença um pouco de sua materialidade e com isso se possibilitou o estar em diversos lugares em um mesmo espaço de tempo falando com enes pessoas como ocorre em conferências virtuais.

Ainda que a presença não esteja mais ligada ao corpo fica a pergunta: o que é mais excitante ver um filme pornô em 3D ou o encontro de um corpo perante outro?

O ao vivo mediado, há muito tempo, permeia as nossas vidas cotidianas, do pronunciamento presidencial em cadeia nacional ao evento da derrubada das torres gêmeas, observa-se a expansão das possiblidades de desenvolvimento da sociedade do espetáculo.

Conforme a acepção aristotélica, o teatro é a única arte que se dá via corpo e voz do ser humano para produzir uma ficção e imitar ações humanas e por esta acepção a presença mediada no teatro gera tensão causando duvidas sobre se, o que se presencia, é teatro ou não.

É difícil e complexo avaliar a influencia cinestésica do corpo, não se sabe ao certo em que o efeito da presença do corpo do ator se diferencia de uma imagem fílmica ou mental. O que Seminar Pornosuspense aponta é se a presença mediada no teatro não pode ser explorada enquanto uma extensão, que multiplique as possibilidades da presença, atuando no sentido de desdobrar as possibilidades da ação cênica.

Aponta-se que o grande desafio da ação teatral ao vivo emergiu a partir dos anos 80 onde a presença do espetáculo ao vivo passou a ter consequências sobre a recepção veiculada por mídias audiovisuais, que alterou a escala de imagens causando desorientação espacial e corporal em quem as vê.

Em Seminar Pornosuspense a desorientação é realçada com a produção sonora, se o publico já tem como foco de atenção as imagens corporais dos performers ao vivo em concorrência com a presença mediada de outras duas ações emitidas de um hotel e do percurso pelas ruas entre o shopping e o próprio prédio do Instituto, o publico também se defronta com uma sala sonora a qual, também, divide sua atenção. Dessa forma em Seminar Pornosuspense observa-se o emergir de três tipos de imagens: a imagem fílmica, a mental do espectador que elabora sentidos a partir de sua leitura de imagens e dos estímulos sonoros, olfativos e táteis que recebe e a imagem viva dos performers que exala cheiro, textura, cor e olhar. Seminar Pornosuspense remete quem o vivencia a uma experiência para fora da esfera da passividade, ser mero observador não lhe é permitido. Isto porque Seminar Pornosuspense, ao se apropriar da imersão no real através de mídias eletrônicas para criar fissuras na representação, permite que a realidade exterior ao teatro ganhe novos contornos visto que se vivencia um acontecimento, como faziam os happenings e a performance-art a partir da década de 50 e 60. O que importa em Seminar Pornosuspense é o acontecimento, a intervenção, muito mais do que o ato teatral em si, pois de acordo com Lehmann (2007) o foco está no “imediatismo da experiência compartilhada entre artistas e público”. O absurdo, o bizarro e a exploração do pornográfico em Seminar Pornosuspense, através da abertura de fissuras por meio da presença mediada contribuem para o rompimento do aspecto ficcional que se possa querer imputar-lhe esvaziando lhe qualquer caráter teatral, reforçando seu aspecto de acontecimento. Enquanto acontecimento, Seminar Pornosuspense objetiva que o clássico personagem sucumba, o que se deve presenciar é o performer representando ele mesmo seja por mediação ou não, caracterizando-se outra fissura na representação e problematizando a aparência da vida humana na Sociedade do Espetáculo, tal como descrita por Guy Debord.

Partindo da conceituação dada por Guy Debord a cerca da Sociedade do Espetáculo, o ERRO em Seminar Pornosuspense tenta retomar um problema da filosofia que é acerca da aparência e da essência, do real e do ilusório. Entretanto, se na conceituação de Debord, conforme Luiz Fernando Ramos, a palavra espetáculo não se associa ao fenômeno do teatro, abdicando-se de “qualquer caráter metafórico” de algum sistema de representação de mundo, sendo o próprio mundo, uma qualidade ontológica deste mundo, aproximando o espetáculo das teses de Marx; o Erro Grupo partindo desta análise da realidade busca criar fissuras no real através da utilização da presença mediada com intuito de causar estranhamento no cotidiano da rua, de lugares ou de não-lugares, como o prédio do Instituto Itaú Cultural, para problematizar o que se pode chamar de Sociedade do Espetáculo. Assim, se em Debord, conforme Ramos, há um alinhamento a um conceito de antiteatralidade[7] que o associa ao Estado Ideal de Platão, que condena e ataca a representação artística considerando-a ilusória e irreal; o posicionamento no acontecimento de Seminar Pornosuspense através da exploração da presença mediada visa problematizar o espetáculo do teatro e por em cheque a espetacularização da vida. Dessa forma partindo do conceito de Sociedade do Espetáculo de Debord, Seminar Pornosuspense cria fissuras para a transgressão no real e problematiza a questão da presença no teatro.

Das primeiras experiências com mídias audiovisuais que de acordo com Pavis (2010), foram realizadas por Meyerhold (1923) e Piscator (1924) passando pelos desafios lançados ao espetáculo teatral ao vivo nos anos 80, tal como visto aqui, passando pela utilização da internet como forma de comunicação com o publico sem a presença do ator; é possível observar que na exploração de artefatos midiáticos eletrônicos no fazer teatral há uma tradição crítica e política. A utilização de novas tecnologias em Seminar Pornosuspense, assim como no teatro contemporâneo problematiza não só o conceito de presença, mas também a concepção que se tem de teatro e, sobretudo a que se tem de mundo e a relação que se possa fazer entre arte e vida proporcionando o encontro de frestas na sociedade do espetáculo que proporcionem a transgressão.

CONCLUSÃO

Seminar Pornosuspense parece nos remeter a ao que se chama Representação Emancipada que é uma relativa independência das fontes de enunciação do teatro, provocando no espectador um combate pela dispersão de seus sentidos permitindo que este se torne um juiz. No caso de Seminar Pornosuspense ele é juiz de si mesmo, ele é quem faz os nexos necessários para compreensão das ações, que não lhe são dados linearmente e é através da cumplicidade instalada no jogo, do poder permitir-se a viver o acontecimento ou manter-se como mero voyeur, como velha âncora de um teatro que jaz morto há séculos e que o espectador pode superar o estiolamento provocado pela passividade que lhe imputa as mídias eletrônicas em seu cotidiano. Seminar Pornosuspense através da imersão via presença mediada, visando criar frestas na representação espetacular cotidiana atua na esfera do paratáxico. A problematização da representação do eu no cotidiano assim como a transgressão da aparência via movimentação entre real e ficcional só é possível através de uma forma de pensar que transborde o racionalismo cartesiano existente na via do hipotáxico e este pensar viver se encontra na esfera do paratáxico, tal como se procede no pensamento mítico, onde não se pensa os mitos, mas se vive.

Se a presença mediada é um problema ao teatro subtraindo-lhe um pouco de sua característica humana através da imagem fantasmática fílmica e se a tecnologia avança cada vez mais para diminuir as interações diretas entre os humanos então se dá passos largos pelo velar de um cadáver que é a presença do ator através de seu corpo. A presença através do corpo do ator está se tornando obsoleta?

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Silvia.  Teatralidades Contemporâneas – Texto e Imagem Estudos de Teatro – Org. Maria Helena Werneck, Maria João Brilhante – p 9 a 28, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2009.

GUENOUN, Denis. O Teatro é Necessário? – Tradução Fátima Saad – São Paulo, Perspectiva, 2004.

GUINSBURG, J. e FERNANDES, S. O Pós-dramático: um conceito operativo? – São Paulo: Perspectiva, 2008.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.

LEHMANN, Hans Dies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007

PAVIS, Patrice. A Encenação Contemporânea: Origens, Tendências, Perspectivas. Tradução Nanci Fernandes – Sá Paulo: Perspectiva, 2010

RANCIÈRE, Jacques. Politica da Arte. Urdimento, Florianópolis, n° 15 pp 45 – 59, outubro/2010.

SANTAELA, Lucia. O Papel das Artes no Pós-Humano – Sistemas Complexos, Naturais e Mistos – Org. Suzeti Ventureli – p 317 a 321.

Anais do 9° Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#9ART) Instituto de Artes da Universidade de Brasília Programa de Pós-Graduação em Arte. Brasília, 2010. – p 317 a 321.


[1] Resultado do projeto Salsichão no Boquerão / Tainha na Prainha realizado através do programa Rumos Teatro do Itaú Cultural.

[2] Ator-performer do ERRO Grupo e professor de teatro da rede municipal de Florianópolis atuando na Ong. SEEDE, no Morro do Bairro Monte Verde.

[3]Pierre Lévy, em O que é o virtual?, esclarece que o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização.

[4] Guenoun aborda, em O teatro é necessário?, a identificação no teatro a partir de Aristóteles passando por Diderot e Freud, bem como das implicações da produção da imagem fílmica.

[5] Guenoun também fala sobre as imagens no cinema e no teatro bem como uma aborda o imaginário a partir da imaginação em Sartre.

[6] Aldous Leonard Huxley, 26/07/1894 – 22/11/1963, foi um entusiasta do uso responsável do LSD como catalisador dos processos mentais do indivíduo, em busca do ápice da condição humana e de maior desenvoltura de suas potencialidades.  Admirável Mundo Novo (Brave New World na versão original em língua inglesa) foi publicado em 1932 narra um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por castas. A sociedade criada por Huxley neste romance, não possui a ética religiosa e valores morais que regem a sociedade atual. Qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos era dissipada com o consumo de soma da droga sem efeitos colaterais aparentes. Neste mundo as crianças têm educação sexual desde os mais tenros anos da vida e o conceito de família também inexiste.

[7] O conceito de antiteatralidade e os conceitos de teatralidade denegada e teatralidade da convecção são apresentados por Silvia Fernandes no livro Textos e Imagens Estudos de Teatro.

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11 set

A natureza do encontro ou a artificialidade do encontro? Onde estaremos realmente presentificados? Se Deus acabou, ora, a presença divina também. Resta-nos ainda um bom tanto de sociedades selváticas e primitivas a resgatar em proveito próprio. O caminho traçado aqui vai do animal à máquina e vice-versa como substâncias feitas da mesma matéria, o endosso da necessidade de afirmação, branca e por vezes coletiva. Gozar aqui é mero sinônimo da mecânica celeste, hoje subjugável e controlável a partir de Marx. Mas se Deus morreu Marx morreu também, e também Jesus, e também Apolinário de Laodiceia, o Jovem, e também nós, frutos reprodutivos de uma imagem mecânica morta. Minha pele já é sensível ao mundo e a alguns de seus apelos, sinto sempre ação onde sou tocada e, se tocada sou, mas apenas se tocada sou, pois que o autotoque não me vale a pena, não me diz nada além de aprendizado a ser posto em prática, fico capaz de produzir música e retransmiti-la através de poros e orifícios, como uma lira. Ainda assim, a que presença exactamente nos referimos aqui? A questão é encontrar a moral perdida?? Quem tornou minha duplicata um produto bem acabado e meu orgasmo perfeito?!! Quem me interditou o tribadismo, a prostituição como reafirmação dos valores decadentes de uma sociedade excessivamente capitalista e autoengolidora, castradora, quem não incentiva (com dinheiro público ou com dinheiro privado) a minha possibilidade de ter prazer anal (a now)? Se dou o espírito e/ou cedo-o brevemente a instintos teatrais e depois a tudo analiso como pré ou como pós-textual, dramático, sagaz e irrefreavelmente performático, não estou também eu cedendo minha imagem ao fantasioso mundo do espetáculo que guarda em suas proporções uma medida fugidia, portanto inequívoca da minha própria e individualizada epopéia terrena, intransferível que chega a ser impossível seu pleno compartilhamento, trancada que estou em minha falta de alteridade eficaz, pós-persona non grata, pós-personagem non grata, pós-tudo aquilo que depois de um tempo vai ficando non grato para nós? Nem tudo é coletivo, meus caros, e nem tudo foi depreendido sensivelmente, na carne, na medula, na espinha e na bacia, pontos cruciais do desenvolvimento da presença presentificada humana, daquilo que ouvimos das sociedades multilíngües do Alto Xingu, de Hakim Bey e seus divertidos pontos de vista, de Massimo Canevacci e sua tentativa pela sensibilidade coletiva (muito mais do que pela individual), de Guy Debord e seu espetaculoso livro, de Miriam Leitão e, vez ou outra, mesmo de Nelson Rodrigues, José de Alencar ou Arnaldo Jabor… O intelecto não é uma experiência sensível, mecanicizado que é, por natureza, como o sistema operacional do iPad 3 ou aquele que será o do próximo iPhone. É bom que a presença se evada da tela ficcional e vá parar em alguma vida corrente, ou será a vida a adentrar na tela brusca de onde jamais quererá sair? Quais são os fios que nos ligam ou seremos wireless por natureza? Ainda há um encontro aqui (a desenrolar-se): ainda há um contraste: uma única e exclusiva chama sexual nos acenderá por alguns instantes, seja que tipo de entrada USB for, transformando-nos nos grandiosos bichos urrantes pelo que somos tão conhecidos internacionalmente, como país, como célula, como tecnologia malfadada ao eterno conhecimento que temos de nós mesmos, se tão edificantes por um lado, tão curiosamente inábeis que se nos deixam por outro. Se hoje me depilo aqui, amanhã não mais, o que é um pêlo para quem está cagado? O que é o desejo, que nos une em eletricidade, identidade e nos separa em realização? O que é aquela última tremedeira que dá na perna, enrijecida por um tamanho tesão de uma tal forma na hora do gozo que parece que a ossada pélvica vai quebrar de tão quente que trinca que chacoalha a coluna, em cujas proximidades o corpo ao lado se encaixa e geme com o brilho mais audacioso de que o espírito conseguiu se armar para a transmissão dos dados, como peixe se abrindo em mil vísceras vistosas, como um furioso Doppelgänger? Se são eficazes, essa é outra história, que contaremos ainda através do aplicativo para tablets “El Gran Cabaret Porno II – A Saga 3D Real Presence – Too Less To Say Too Much To Do”, um grande aplicativo de muito espaço que vai ocupar na memória do seu HD bem grosso bem duro, um aplicativo enorme mesmo, bem grande, um aplicativo bem grande, bem grandão mesmo, bem grosso e bem duro mesmo, enorme, gigantesco e muito mas muuuuuuuito muito prazeroso, nada de punhetage intelectoal

(Photos by Leco de Souza & Ivson Miranda)

SEMINAR PORNOSUSPENSE

10 set

TEXTO DE ABERTURA DE SEMINAR PORNOSUSPENSE (ERRO Grupo)

Bem vindos ao Seminar Pornosuspense. Hoje vamos apresentar a vocês alguns elementos pesquisados no Projeto Salsichão no Boquerão Tainha na Prainha que tem como cerne de pesquisa indagações sobre a presença cênica, suas possíveis mediações e extensões e construções de frestas, deslocamentos e rupturas no espaço. Como podem ver, estamos no prédio do Itaú, assim, esses aspectos serão explorados de acordo com as possibilidades deste ambiente.  E também dentro do que foi possível investigar nesses 06 meses sobre temas bastante amplos e porque não, um tanto megalomaníacos.

Tentamos trazer para este espaço institucional alguns elementos da rua, local onde costumamos agir, e também foi nele que boa parte de nossa pesquisa foi realizada. Andando por locais pouco prováveis e também óbvios das cidades de Curitiba, São Paulo e Florianópolis, a fim de encontrar frestas para a ação artística, experimentando a rede de relações que as cidades estabelecem com seus espaços físicos e simbólicos.

Como sabem este programa especifico do Itaú Cultural Teatro, é um programa de compartilhamento entre dois grupos e apesar de ambos utilizarem estratégias similares para a abordagem dos conceitos desta pesquisa, nossa apresentação aqui será dividida primeiramente com a apresentação do Seminar Pornosuspense do ERRO Grupo e seguirá com o El Gran “Cabernet” Porno, Cabaret Porno, da Companhia Silenciosa.

Tendo em vista que o espaço urbano não é unicamente a rua, buscamos trazer para cá também o ambiente do hotel, que em nossas viagens, além de servir como local de estadia, serviu como berço para uma indagação a respeito do deslocamento das privacidades para um ambiente amorfo, nada individual. E por conseqüência sobre a facilidade em nos adaptarmos a níveis cada vez menores de individualização e senso de exposição. Ao mesmo tempo em que os objetos procuram seduzir pelo apelo ao indivíduo, a massificação dos desejos, a ordem das aparências está exposta. Tornar o mundo perfeito é dar-lhe acabamento, é encontrar para ele uma solução final.

O encontro do Salsichão e da Tainha, ao contrário do imaginado, não foi nada romântico, o intercâmbio de fluídos proposto pelo programa Rumos Itaú Cultural Teatro é também um projeto que tem inerente não só a fluência das trocas, mas também o confronto, o embate entre formas de fazer arte e de entender os conceitos esboçados no projeto. O intercâmbio teve que lidar com a exposição dos complexos de cada grupo, agendas, as dificuldades na conciliação de um plano de trabalho. Muitos estranhamentos e conflitos estiveram presentes nesta relação pessoal e profissional, de enlaçamento de dois corpos grupais em busca do gozo, sob o olhar atento de uma instituição.

Ao tratarmos da extensão da presença cênica, foi inevitável pensarmos sobre as redes sociais e virtuais, que tanto alteraram e alteram o que conhecemos enquanto espaço público e espaço privado. Através das redes sociais é possível adentrar na privacidade do outro, naturalizando ver e sermos vistos, naturalizando uma problemática já bem antiga, que se resume nas análises de Michel Foucault e se expande para idéia de Sociedade do Espetáculo, proposta por Guy Debord, onde ser visto é o que se almeja. Tudo que aparece é bom, e o que é bom aparece. E a cada dia nos sentimos mais e mais livres para adentrar espaços que há pouco tempo atrás eram privados. E para que outros entrem o nosso espaço privado, somos incitados a aparecer e a deixar-nos ver. Nas extensões de presença aqui em questão tudo se torna informação e o que não pode ser traduzido em informação não é real. O perfeito pode ser obra de cálculo. 

Alterada a forma de contato e comunicação entre as pessoas através da proliferação das possibilidades de agir no mundo virtual, nesta pesquisa também nos vimos diante do paradoxo do prazer. Somos constantemente seduzidos pela idéia de prazer, e o prazer sempre está ligado intimamente aos 05 sentidos humanos, e simultaneamente, na virtualidade, somos reduzidos a ver e a escutar. E fazer ver, através de diversas mediações, um mundo que já não é diretamente apreensível, nos levando à abstração generalizada dos fatos, das relações e dos sentidos.

Já no início da comunicação dentro do projeto, Salsichão e Tainha pensavam muito em comida. No prazer carnal de comer. Na realidade indiscutível de comer. Na presença dos alimentos nas bocas, no estômago, no intestino e de sua passagem pelos órgãos sexuais. Assim, os dois fantasiaram por meses nas duas iguarias, o Salsichão e a Tainha, passando das preliminares para a consumação sexual implícita no imaginário destes dois alimentos. Um tão natural e o outro processado, em uma combinação escrachada, explícita e obscena. E a obscenidade destes dois elementos começou a fazer sentido dentro da pesquisa que estavam inseridos, penetrando nas frestas, criando rupturas em todos os orifícios do corpo, dos espaços, rompendo os limites entre estar dentro e fora, entre a presença e suas mediações. A obscenidade traduziu a forma como a presença se dá em suas extensões e mediações.

Para Salsichão e Tainha não havia mais romance, não havia mais teatro, apenas a real consumação dos meios, onde os órgãos sexuais, o ato sexual, não eram mais “postos em cena”, e sim, grosseira e imediatamente, dados a ver, devorados, absorvidos e reabsorvidos no mesmo ato.  Quando a pesquisa sobre tais conceitos chegou ao clímax, dadas imediatamente enquanto realidade concreta, se fixou na obscenidade. Não havia mais representação, apenas a impossibilidade da representação da qual a pornografia é um exemplo dado.

Tentamos aqui apresentar de forma didática algumas frestas e possibilidades de explorar através da ação cênica, as problemáticas que acabo de citar, mas também buscamos um espaço para compartilhar com vocês os caminhos percorridos no encontro de Salsichão e Tainha. Do erro e do silêncio.

A mediação da presença investigada neste encontro não afastava mais nada… A maldição que Salsichão e Tainha enfrentavam era a de estarem super aproximados e de tudo ser imediatamente existente como realidade. O espetáculo não é apenas o que é dado para ser visto, o que parece, mas não é, e sim o que parece ser e ao mesmo tempo é, obscenamente, real. Para Salsichão e Tainha não havia mais romance, não havia mais teatro, apenas a realidade demasiadamente real da consumação.

O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens.

No mundo re-invertido, o verdadeiro é um momento do falso.

Mais informações: http://www.errogrupo.com.br/v4/pt/2011/09/10/registros-seminar-pornosuspense/

El Gran Cabaret Porno: Gazeta do Povo, 31/08/11.

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Link Gazeta do Povo: Para maiores de 18

 

 

 

Lambe-lambe Action. Florianópolis, 25 de julho de 2011.

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Lambe-lambe Action. São Paulo, 24 de agosto de 2011. PARTE 02.

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Lambe-lambe Action. São Paulo, 24 de agosto de 2011. PARTE 01.

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